Capítulo 7 – As músicas
“E
|
u tinha, uma
galinha, que se chamava Mery Loo...”
Louis suspirou pela centésima vez, tentando acalmar os nervos. Harry vinha
cantando há pelo menos uma hora. Tinha perguntado se podia cantar. Louis
respondeu que sim, afinal, ele também gostava de música... Mas já estava
virando tudo uma piada.
- Era uma vez um gato xadrez que fez cocô na boca de três...
- CHEGA! – Louis berrou.
Harry deu um pulo em seu cavalo.
É, tinham arranjado um cavalo para Harry. Em três horas de caminhada haviam
chegado a outro vilarejo onde conseguiram comprar – com um dinheiro que Harry
havia roubado do taberneiro – um belo alazão. Harry o chamou de Twix. Mas,
voltando ao assunto, Harry deu um pulo em cima de Twix.
- VOCÊ NÃO PAROU DE CANTAR MÚSICAS TERRÍVEIS COMO ESSA DESDE QUE COMEÇOU A ABRIR A
BOCA!
Harry ficou vermelho.
- Desculpe. – respondeu.
- De onde é que você tira essas letras?!
- Ah, cara, quer dizer, Louis, você conhece música melhor, por acaso?!
- Mas é claro que eu conheço!
- E sobre o que as letras delas falam, hein? – falou Harry, cínico.
- Ora, sobre amor, é claro. Do que mais poderia ser?
- Então canta uma, já que são tão melhores que as minhas...
- Tá, eu canto, sim... – Harry estreitou o olhar para Louis, que arranhou a
garganta para começar a cantar.
*“Hun tal home
sei eu, bem talhada
Que por vós tem a
sa morte chegada;
Vides quen é e
seed'en nanbrada;
Eu, mia dona.
Hun tal home sei eu
que preto sente
De si morte chegada
certamente;
Vêdes quem é e
venha-vos en mente;
Eu, mia dona.
Hun tal home sei
eu, aquest'oide:
Que por vós morr' e
vo-lo en partide,
Vêdes quem é e non
xe vos obride;
Eu, mia dona.”
*Cantiga de amor
trovadoresca escrita por El-rei D. Dinis.
Harry
irrompeu uma gargalhada.
- Chama
isso de música?!
- Chamo
sim, melhor que as suas!
- Mas não é
mesmo! Olha, cara, digo, Louis, é melhor nenhum de nós cantar... Se as minhas
são ridículas, as suas são... Demasiado clássicas...
Louis ficou
emburrado. Ele gostava muito de cantar, e apreciava a música da época. Mas não
se aborreceu por muito tempo... Enquanto seguia caminho, pôs-se a pensar em
Eleanor.
Ah!
Eleanor, como era bela! E como estava triste o coração de Louis. Queria ver,
acima de tudo, a princesa salva. Mas ela ser salva significaria que eles
estariam separados para sempre (uma vez que Louis não contava que ele
conseguisse salvá-la sozinho), e pensar na sua belíssima El casada com outro
homem também doía muito para ele...
Lembrou-se
de um de seus encontros, quando ambos deviam ter ainda uns catorze anos.
“- Ah,
Louis! Me devolve! Vai, me dá! – Eleanor gritou, tentando pegar seu sapato de
volta. – Meus pés vão ficar todos sujos de lama e saberão que estive aqui com
você! – Estavam naquele mesmo bosque, o da primeira vez em que tinham se
falado.
- Então vai
ter que me dar um beijo!!! – Louis esticou a bochecha para ela, achando que a
princesa cederia para pegar o sapato de volta.
Ele esperou
um beijo. Mas não foi isso que ele levou.
A palma
bateu com tudo em seu rosto, e um formigamento intenso começou. Doeu.
- Mas
quanta ousadia! – Ela disse, exasperada e irritada. – Nunca mais faça isso! Não
sou submissa a você! Devolva-me imediatamente! – Repare como Eleanor mudou seu
tom de conversa para uma forma muito mais culta. Ela costumava falar daquela
maneira, mas quando estava a sós com Louis, era diferente. Era a primeira vez
em muito tempo, desde que eles haviam admitido certa intimidade, que ela falava
daquele jeito.
Mas, mesmo
sob o “ataque” da princesa, Louis não devolveu. Eleanor então, esbanjando raiva
e orgulho, ao invés de sua constante calma e delicadeza, virou-se e começou a
sair do bosque.
Louis não entendeu porque ela se afastava sem o sapatinho, a princípio.
Depois,
vendo que ela estava realmente saindo do bosque, ele, com medo de que a
descobrissem com ele, correu para lhe dar o sapatinho.
– Eleanor!
Espere! – gritou.
Ao chegar
perto dela, Eleanor lhe lançou o olhar que uma rainha lançaria em desafio a
alguém, e então Louis entendeu porque ela preferia ser descoberta a beijar-lhe
o rosto. Uma princesa, antes de mais nada, também é mulher, e ser desafiada
daquela maneira por um ser “inferior” em todos os aspectos deixou Eleanor
nervosa. Foi uma afronta à sua condição, mas mais ainda à sua pessoa. E ela
preferia sair sem o sapato a deixar-se ceder às peripécias de um rapazinho
abusado.
Eles
ficaram assim, se olhando, por um bom tempo, até que Louis ajoelhou-se diante
dela, e, delicadamente, pegou o pé da princesa. Eleanor hesitou, sem saber o
que ele pretendia, mas ele insistiu, e ela compreendeu.
Louis
encaixou o sapato no pé dela, e curvou a cabeça, em sinal de respeito, pedindo
perdão silenciosamente com o gesto.
Quando deu
por si, Eleanor estava agachada a seu lado. Ele arriscou olhar para ela, e seus
rostos estavam muito próximos. Olhares fixos, ela sorriu, e beijou-lhe a face
de repente.
– Esta,
sim, é a atitude de um cavalheiro. Esta, sim, merece uma recompensa.
Depois, se
levantou e foi embora, deixando Louis para trás.
Ele ainda
ficou embasbacado com tudo o que havia acontecido, mas permaneceram várias
sensações dentro dele. Naquele dia Eleanor ensinara-lhe respeito e limite, e a
intimidade deles continuou, mas sem aquele tipo de ousadia.”.
Louis riu
lembrando-se do rapazinho abusado que tinha sido.
– Ai, ai,
Eleanor... Ninguém se compara a você.
– O que
você disse? – indagou Harry.
– Hã? –
Louis de repente acordou de suas lembranças.
– Eu
perguntei o que você disse! Da Eleanor.
– Que
ninguém se compara a ela.
– Isso sim
é um bom tema para uma música.
Louis sorriu, voltando ao contexto.
– Concordo.
– Você gosta mesmo dela, não é?
– Infinitamente.
– E vai mesmo competir pela sua mão
e salvação, não é?
– Com certeza. Ninguém no mundo
poderia me impedir de ir em frente, porque mesmo que eu quisesse, ninguém se
compara a ela.
– Haha, isso dá uma bela letra de
música.
– Como?!
– Ah, sei lá, ponha um pouco de
ritmo e... “No one in the world could stop me from not moving on, because even if I
wanted to, nobody compares to her...”.
– Não, não!
Mude o final para “Nobody compares to you”.
Como uma declaração. Fica melhor e rima.
– Tem
razão. Você manda bem.
– E você
tem uma voz muito boa... Quando canta músicas boas...
Harry e
Louis sorriram e ficaram cantando o refrão, depois de um tempo acrescentando
outras partes a sua nova música.
A certa
altura, o sol estava tão forte, que Louis ficou com a garganta seca.
– Ah...
Minha garganta tá muito seca! Temos que economizar água, por aqui não há rios
por perto. Harry, você está com os cantis...
– É...
estou...
– Por que essa hesitação?!
– É que...
– É que?
– Eu dei
toda a água pro Twix há uma hora, mais ou menos... Achei que a gente fosse
encontrar um rio pelo caminho...
Ao ouvir
isso, Louis ficou vermelho e pareciam que iam sair fumaças de suas orelhas.
Estavam agora com um problema sério: Sem água. E quase sem comida.
“HARRY!” –
foi a última coisa que ele gritou, muito, muito alto.
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